Crônicas
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Maria Cleide de Melo Lima Damasceno

Escritora ipuense

A Casa do canto quadrado

Foi descoberta, violentada, desnudada desde alguns dias a casa velha do ângulo, do canto do “Quadro da Igrejinha”.

Retirados e removidos ripas, caibros, linhas, telhas, paredes!

Destelhada, exposta suas paredes e empenadas, sujas, gastas pela carreira do tempo.

Suas traves e vigas em aroeiras e carnaúbas seculares a descoberto no alto das velhas paredes.

Seu esqueleto chamando a atenção dos passantes e saudosistas, junto a vetusta cumeeira, agora tombados de vez...

A casa da quina, da aresta daquela praça, entregue aos carpinteiros, serventes, pedreiros e mestres de obra seu velho e negro telhado, seus tijolos e mosaicos arrancados e, como cascas jogadas ao relento.

Tudo ali ressalta ao trabalho bem feito e ajustado daquele tempo quando linhas e cumeeiras lavradas a machado, descomunais e bem encaixadas na cava, tudo acertado nas medidas e cortes primitivos.

Lá viveram... foi o lar de festas, alegrias, venturas...Dores...

Por entre os escombros talvez se possa ouvir cantigas de ninar, garrulices e brincadeiras de crianças, gargalhadas incontidas de jovens mocinhas, conversa dos rapazinhos, murmúrio de preces e orações das mães que por lá passaram, vozes graves e ou serenas dos senhores da casa que viveram também ali, choros sentidos, gemidos sufocados, mágoas da vida!

Quanta lembrança de mais uma daquelas casas que são desmoronadas, tiradas da memória, arrancadas da história para, em seu lugar elevarem um prédio a fim de satisfazerem a ganância do comércio desenfreado e sem escrúpulos.

Guardamos na lembrança quando, como as outras casas que são do lado nascente, sul, norte ou poente do “Quadro da Igrejinha”, se ficava embevecidos de vermos passar por entre a grama molhada, ao largo, a “velha grota” por ocasião das enchentes dos bons invernos fazendo redemoinhos, abraçando o tronco do vetusto tamarindo.

Mais de cem anos de poeira acumulada e desalojada através da remoção das telhas negras e encardidas pelo lodo e os anos, da madeira escura e arcada ao peso dos longos dias; e os pregos quadrados, trabalhos de forja vão aparecendo e as dobradiças arqueológicas, tudo desaparecendo com as reconstruções.

São mais de cem anos de entulhos caídos no chão, sobre a velha praça!

Vão desaparecendo como os passos incertos dos que de lá saíram...

...Dos que mudaram, dobraram a esquina rumo ao caminho sem volta do tempo!

...Desataram suas peias, seus nós e seus medos...

...Daqueles que foram ao encontro de seu destino!

...Deixando um mundo para trás!

Ipu, 26-27 de outubro de 2011

 

(Obs: A casa em referência abrigou por muitos anos a juventudes dos filhos de Antônio Carvalho Martins e Maria Auri Lourenço Martins)