Crônicas
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João Rodrigues Ferreira

Titular da Cadeira nº 18

Calorosa recepção silenciosa

            Talvez fossem umas dez horas quando bati à porta da AILCA – sede da Academia. Uma voz gritou lá de dentro dizendo que já estava vindo. Ouvi passos apressados vindo em minha direção, reconheci-os imediatamente. Não demorou e lá estava aquele sorriso alegre que o Francisco carrega sempre com ele.

              – Bom dia, João! – disse, como se estivesse surpreso e ao mesmo tempo feliz.

              – Bom dia, Francisco. Tudo bem? – respondi.

              – Tudo. Entre, entre – e foi logo escancarando a porta. – Fique à vontade, que vou terminar umas coisas que eu estava ajeitando. Precisa de ajuda?

              – Agora não, obrigado. Vim só pegar umas revistas, mas só daqui a pouco.

          Logo ele sumiu casarão adentro, e me dirigi à sala onde aconteciam nossas reuniões antes da pandemia. Ao chegar, tive uma calorosa recepção silenciosa. Sim, diversos acadêmicos em suas fotografias me receberam – alguns com olhares alegres, outros um pouco mais sérios, mas pude sentir, por trás daquelas molduras, a felicidade de quem esperava, havia um bom tempo, por um momento daquele. 

           Cumprimentei-os em silêncio. Um sorriso escapuliu de meu rosto e misturou-se aos demais, que saltaram da parede para a sala, e, de repente, vi-me junto a eles nas alegres reuniões dos sábados à tarde de calorosos apertos de mão, palavras de boas-vindas e conversas descontraídas.

           As vozes se alastraram por todo o recinto, e a mão da saudade pegou na minha e me carregou pelo casarão. Várias cenas foram surgindo por onde eu passava, me fazendo reviver aqueles belos momentos de outrora: inauguração da Cordelteca, lançamentos de livros, posses de acadêmicos... um turbilhão de imagens passava na minha frente, e por um momento foi como se tudo estivesse acontecendo de novo.

          E assim passeamos, a saudade e eu, por cada sala, por cada espaço, por cada recanto, tentando extrair o máximo da felicidade vivida nos bons tempos em que a vida ainda era normal, quando os risos e as falas eram reais, quando as fotografias na parede eram apenas representações, quando pessoas reais davam vida àquele ambiente vibrante, agora adormecido. Não sei ao certo quanto tempo passeamos, mas o suficiente para ver a saudade despedir-se e dar lugar à alegria.  

           Despertei ao ouvir uma voz distaaaante chamando meu nome. Era Francisco, estava apenas a um metro de mim, me falando qualquer coisa.

          Peguei minhas revistas acadêmicas, agradeci ao Francisco e, tão silenciosamente como cheguei, despedi-me dos confrades e das confreiras na sala de reunião e saí. A umas três dezenas de metros depois, dei aquela olhada para o velho casarão, que me acenava tristonho, e, se não estou enganado, ouvi-o dizer, com uma voz saudosa, “Obrigado pela visita”.

         Acenei de volta. Uma jovem, que vinha vindo alguns metros atrás de mim, olhou para trás e, como não viu ninguém, me retribuiu o aceno, mesmo sem entender nada. Melhor assim.

         A saudade me esperava mais adiante. E, pelas ruas barulhentas do Ipu, em uma manhã qualquer da semana, saímos, eu e a saudade, silenciosamente, fazendo companhia um ao outro.